INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS
Grupo Transpasse:
Pedro Ivo Maia
Alzira Bosaipo
Carla Veras
Disciplina:
Teoria e Processos Criativos para a Cena – TPCC
Professor orientador: Marcus Mota
NOVEMBRO DE 2018
APRESENTAÇÃO
O presente trabalho apresenta em forma de relatos, o
processo de composição do roteiro intitulado Quando as cigarras cantam, escrito a partir de narrativas que
tinham como tema em comum a violência doméstica. Foram escolhidas três
narrativas (duas que são experiências com pessoas próximas a
membros do grupo e outra retirada de um documentário sobre violência doméstica).
O fato de termos escolhido narrativas cujas protagonistas são pessoas conhecidas
gerou um processo bem intenso e de muito apego por parte dos membros do grupo.
Cada
membro do grupo escolheu temas para desenvolver seu relato sobre o processo
criativo a partir da escolha das narrativas. Os temas que foram escolhidos e
que serão detalhados a seguir são:
As experimentações e o mapa de decisões criativas –
Pedro
Pesquisa imagética e escrita do roteiro – Alzira
Música e Sonoplastia – Carla
EXPERIMENTAÇÕES E VIVÊNCIAS
Pedro Ivo Maia
Após
escolhermos e escrevermos os depoimentos (as narrativas escolhidas), partimos
para a elaboração do roteiro diagramático proposto pelo professor. Dividimos os
depoimentos em sequências de cenas e colocamos pontos que pensamos abordar em
cena, como: uso de objetos e sonoplastia. A etapa seguinte foi experimentar
cenicamente as sequências que idealizamos. Elas foram dirigidas por: Alzira,
Pedro e Juliana.
No
início, tentamos separar as direções de acordo com as sequências que fizemos no
roteiro diagramático, com o objetivo principal de explorar a relação dos
agentes em cada sequência. Entretanto, ao longo das experimentações acabamos
não seguindo exatamente a sequência do roteiro como havíamos imaginado. Pois,
não queríamos colocar o homem como agente, mas acabamos tendo que usá-lo para
as relações aparecerem. Além disso tiveram sequências que acabaram não entrando
nas experimentações.
A
primeira direção (Alzira), foi baseada na sequência 1 e 2 do roteiro, que tinha
como base o documentário “Caminhos da reportagem - os filhos da violência
doméstica”. A abordagem principal foi a relação entre o casal, que mostrou
diferentes perspectivas, como: o homem em seu “estado animal” e momentos de
prazer com a esposa. Usando ideias do roteiro como referência para fazer a
direção, ela também abordou o encontro entre mãe e filha após agressão física,
que deu origem a ideia de usarmos a imagem da escultura “Pietà” como
referência. A segunda direção (Pedro), foi baseada no relato de abuso infantil
dado. Nessa experimentação foi abordada a relação de abuso entre pai e filha,
que nos mostrou os danos psicológicos presentes na criança e justificativas de
abuso que o pai usava, como: a filha bagunçar objetos enquanto brincava. A
terceira direção (Juliana), também foi baseada no relato de incesto. Ela usou
elementos da sequência 3 do roteiro diagramático (mãe lavando roupa). Essa experimentação
explorou a relação dos três agentes. Os atores estavam vendados e todas as
relações de abuso abordadas nas outras direções foram aprofundadas.
Graças
ao que foi aparecendo, nos achamos que tínhamos conseguido conteúdo suficiente
para montar o roteiro. Então, vimos as filmagens das direções e fizemos o mapa
de decisões criativas no qual avaliamos os melhores pontos que conseguimos e
que gostaríamos de usar no roteiro. O curioso foi ver como as ideias foram se
misturando e abrindo caminhos diferentes na hora de montar o roteiro.

ESCRITA DO ROTEIRO – A MATERIALIZAÇÃO DAS IDEIAS
Alzira Bosaipo
É
muito interessante observar a distância existente entre as ideias iniciais que
possuíamos acerca de como seria o roteiro e o material que obtivemos ao final
do processo, onde algumas ideias permaneceram e outras foram completamente
alteradas.
Desde
o momento em que as narrativas foram escolhidas, o grupo já possuía opiniões
claras sobre a estética que pretendíamos abordar (linguagem metafórica,
utilização de dança, partituras corporais, música e não representar a violência
de forma explícita). Com base nestas ideias iniciais, o roteiro diagramático
foi criado e, sempre que o discutíamos imaginávamos como as cenas aconteceriam.
Partindo
das ideias que o grupo possuía a partir dos elementos inseridos no roteiro
diagramático, fizemos uma pesquisa imagética com os elementos principais que
haviam sido colocados no roteiro diagramático, a pesquisa incluiu: imagens de
objetos domésticos, tecidos, elásticos, água, sempre buscando uma visão cênica na
utilização desses objetos. Foi feita também uma pesquisa coreográfica de
vídeodança, contato e improvisação, clipes musicais e espetáculos teatrais. O
mais interessante da pesquisa imagética foi perceber que algumas ideias que
possuíamos no início, não eram funcionais cenicamente, por exemplo: no roteiro
diagramático colocamos uma cena que se desenvolvia a partir da utilização de
uma máquina de costura como metáfora para a violência, mas ao fazer uma pesquisa
imagética sobre a utilização de uma maquina de costura como metáfora,
percebemos que esta ideia não funcionava do modo como queríamos e, por isso a
ideia foi abandonada.
Todo
material obtido nas pesquisas e experimentações, foi postado no blog criado
para o registro do material. O modelo de blog escolhido foi um grupo no
Facebook (Transpasse – Violência e Feminicídio). A criação do blog onde
postávamos o desenvolvimento do nosso trabalho configurou-se como um diário de
bordo, um registro de tudo o que fazíamos e que nos auxiliou muito na escrita
do roteiro final, pois sempre que
tínhamos dificuldades voltávamos às pesquisas que estavam postadas no grupo.
Imbuídos
de todo material narrativo, conceitual e imagético, partimos para as
experimentações, onde obtivemos materiais muito interessantes para a criação do
roteiro, materiais que não teriam surgido se ficássemos apenas discutindo como
gostaríamos que fosse nosso produto final. Após as experimentações, chegamos à
etapa que considerávamos mais fácil: materializar tudo o que tínhamos
vivenciado em um roteiro teatral! Como estávamos enganados...
Escrever
“a quatro mãos” é um processo que exige paciência e disponibilidade, mas que no
fim das contas mostra-se muito rico. Coletivamente, foi possível encontrar
alternativas para o desenvolvimento do trabalho que dificilmente seriam
encontradas de forma individual, mas isto não significa que não encontramos dificuldades
na escrita do roteiro, as principais dificuldades encontradas estavam
relacionadas às ligações entre as cenas (algo que possivelmente teria se
resolvido se tivéssemos tido mais tempo para as experimentações) e sobre como
escrever as movimentações de forma que ficasse claro para quem fosse ler.
Ao
final da primeira versão do roteiro, buscamos relacioná-lo com as narrativas,
as ideias estéticas iniciais e as pesquisas feitas. Este retorno ao material
inicial nos mostrou que algumas ideias que possuíamos seguiram por caminhos
diferentes, uma das ideias que mais se diferenciou das propostas iniciais, foi
a definição das personagens envolvidas.
Inicialmente,
como parte das nossas opções estéticas e ideológicas, havíamos definido que o
personagem masculino (o agressor) não teria fala, a história seria contada
apenas a partir da visão das mulheres envolvidas. No entanto, durante as
experimentações, a questão da violência masculina, suas motivações e a
construção social, nos tocou de forma muito intensa, estando presente em todos
os exercícios que fizemos. Como resultado, a presença masculina ganhou destaque
no nosso roteiro, inclusive com várias falas.
A
experiência de escrever um roteiro seguindo etapas tão bem delimitadas foi uma
experiência incrível e nova para todos os integrantes do grupo, ficamos
satisfeitos com o produto final. Acredito que na próxima vez que nos
empenharmos em tal tarefa, teremos muito mais êxito, pois este tipo de trabalho
aprimora-se de forma proporcional à experiência que vamos adquirindo.
SONOPLASTIA E AS ESCOLHAS NARRATIVAS NA COMPOSIÇÃO DO
ROTEIRO
Carla
Veras
Sonoplastia: Durante todo o processo criativo nos
preocupamos bastante em como os sons que iriam ser usados para compor as cenas,
isso tanto durante as transições de quadro, quanto no momento das execuções de
sons durante as cenas, até mesmo por parte dos atores. Por ser um roteiro com
pouquíssimas falas, a sonoplastia da peça se fez extremamente necessária para a
“costura” final do enredo, e ao utilizarmos música, grunhidos, sons de
cigarras, assobios, barulhos de objetos caindo e batendo e etc. Atingimos esse
objetivo, o porquê de cada som descrito em cena foi pensado cuidadosamente e
testado em cena durante o período de experimentação, o que fez com que fosse
absolutamente necessária para o desenvolver do psicológico dos personagens e da
trajetória criada em cena.
Nós optamos por abordar o tema da violência contra mulher de
uma maneira mais simbólica, sem coisas escrachadas, e a sonoplastia foi pensada
justamente para intensificar isso na obra. Utilizamos por exemplo, do canto das
cigarras ( inclusive este é o nome da peça) pois retrata bem o estado
psicológico da mãe e da filha. O som que as cigarras emitem é forte e
desregulado e possui uma vibração bem característica que provoca uma sensação
contínua de confusão, outro fator que nos levou a utilizar esse som foi que
durante toda a experimentação por ser época de acasalamento das cigarras, esse
foi um som presente e que ajudou na composição das cenas, além disso decidimos
utilizá-lo pela sua simbologia. O som das cigarras é produzido apenas pelo
macho da espécie, o que trás um enorme significado, já que ofusca o poder
sonoro da fêmea, o que é exatamente o que acontece em relacionamentos abusivos,
onde a mulher não tem espaço para fala.
Outra opção que decidimos assumir foi a de uma música
autoral para a peça, optamos por isso pois, trabalhar com uma música nossa tem
um significado pessoal para todos nós, a canção escolhida fala sobre um relacionamento
abusivo de uma maneira simbólica, o que fez com que se encaixasse perfeitamente
com a dinâmica que buscávamos ter no roteiro, depois no final do espetáculo a
mão assume essa música e a ressignifica, fazendo dela seu grito de liberdade, a
letra da composição é:
Vai agora, eu quero ouvir sua
história
eu quero só saber
o que anda pensando
o que anda fazendo
o que você quer me dizer
vai, dizer nada não importa
eu só quero saber
o que se passa dentro de você
silêncio, ensurdecedor
vergonha, que não acrescenta em nada
além de dor.
A música possui compasso binário, é inteira dedilhada e
segue a mesma metrîca toda a música, foi composta utilizando os acordes Am, Em,
C, G nessa mesma sequência, violão com afinação padrão.
Além disso utilizamos vários sons ambientes, que foram
pensados para preencher o buraco da não fala. Além de sons característicos como
o do pano batendo enquanto é lavado (utilizado para abafar os sons ao redor, na
cabeça da mãe), o da batida (representa a pancada à cabeça que a mãe levou) o
do cantarolar que a mãe faz várias vezes em cena ( representa a busca dela por
preencher seus pensamentos), os grunhidos que o pai da algumas vezes ao longo
da peça ( que representa a bestificação do homem), a menina cantando boi da
cara preta (significa a perda contínua de sua infância e inocência) entre
outros sons que foram colocados.
Escolhas narrativas:
Nós baseamos nossas escolhas narrativas para a composição do
roteiro, em vivências pessoais, depoimentos de conhecidos, histórias divulgadas
na mídia e pesquisas, escolhemos três histórias de mulheres que passaram por
situações de agressões e abusos e através delas, fizemos um compilado de
histórias que se dividem no decorrer dos atos, mas no final representam uma
só.
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