QUANDO AS CIGARRAS CANTAM
AUTORES:
ALZIRA BOSAIPO
CARLA VERAS
JULIANA VICTÓRIA
PEDRO IVO MAIA
PERSONAGENS:
MÃE (casada com o homem. 32 anos)
HOMEM (marido e pai. 45 anos)
FILHA DO CASAL (9 anos)
A
ação se passa na casa da família. A casa estilo quitinete/cortiço, com os cômodos
integrados. De um lado há a porta de entrada e, próximo a ela moveis que caracterizam
a sala (sofá, televisão). Do outro lado há a área da cozinha e um tanque de
lavar roupa. No fundo, ao invés da parede, há uma teia de elásticos, onde o
homem está amarrado.
SEQUÊNCIA
I
Filha
está brincando com objetos da casa (sapatos, panelas, revistas, talheres,
espelho e um pano vermelho que ela “transforma” em várias coisas para brincar).
Homem dorme preso à teia.
Filha brinca com todos os objetos que
estão ao seu redor. Pega o pano vermelho, brinca de cozinhar, joga na panela,
mexe com os talheres. O barulho da panela a assusta e ela olha em direção à
teia preocupada. Ao ver que o homem continua imóvel, se tranquiliza e volta a
brincar.
O homem dorme respirando profundamente,
a menina se assusta, junta as coisas para sair da sala, quando cai um talher. O
homem acorda assustado, grunhe, mexe os braços olha para a menina, ela se vira
para frente, deixa cair as coisas, pede desculpas incessantemente.
Inicia
um som de cigarras que vai aumentando no decorrer da cena
HOMEM (fala com um tom paternal, mas cheio de cinismo): Não tem o porquê você ficar nervosa,
vem cá no papai! Vem logo! Isso. Agora faz um carinho no papai, é como sua mãe
faz, você pode fazer também, vem! Abraça o papai, a gente só ta brincando,
isso, assim ...
Enquanto o homem fala, a menina faz
movimentos se contorcendo e gritando (mas sem emitir som). O homem sai da teia
(mas ainda está preso pelas mãos e pelos
pés) até chegar à menina, ele a envolve com a teia e os dois começam a dançar,
a menina tentando fugir e o homem sempre a envolvendo. O som das cigarras se
intensificam e a menina se movimenta de modo a simular que agrediu o homem, que
sai e volta para a teia mancando, mas olhando para a menina com um olhar de
desejo.
O
som das cigarras vão cessando aos poucos
A menina senta-se no chão chorando, pega
o espelho e enquanto se olha canta:
MENINA: Boi, boi,
boi, boi da cara preta, pega essa menina que tem medo de careta... Boi, boi,
boi, boi da cara preta, pega essa menina que tem medo de careta...
Quebra
o espelho e sai.
SEQUÊNCIA
II
A
mãe entra em cena, está com os olhos vendados, mas age como se não estivesse.
Homem anda pela teia como se fosse um animal enjaulado.
MÃE
(cantando):
Vai agora
Eu quero ouvir
Sua história
Eu quero só saber
O que anda pensando
O que anda fazendo
O que você quer me dizer
Vai dizer nada não importa
Eu só quero saber
O que se passa dentro de você
Silêncio ensurdecedor
Vergonha que não acrescenta em nada além
de dor
Enquanto
canta, junta as coisas que a filha deixou no chão, pega o pano vermelho, abre,
“bate”, olha bem e joga no ombro para lavar.
HOMEM: Vem cá!
A
mulher vai para o tanque que está na outra lateral da cena, coloca os panos no
tanque e começa a lavar cantarolando a mesma música de antes. Diante da
ausência de resposta da mulher o homem a chama novamente com mais irritação e
pontuando as palavras:
HOMEM: Vem cá!
MÃE: Tô indo (mas continua
a lavar as roupas)
HOMEM
(com uma preocupação fingida): Você tem
que conversar com aquela menina, ela tá muito esquisita... mas também isso é
culpa sua que fica passando a mão na cabeça dela, por isso ela cresce igual uma
retardada.
MÃE (responde ao marido, mas ainda em frente ao tanque): Mas
isso é porque ela tá virando moça, ta querendo ficar mais sozinha, também não
precisa ficar em cima dela.
HOMEM
(com irritação): Como assim não ficar em
cima, eu sou o pai dela! Ela tem que me obedecer e você também, vem cá!
Homem
começa a se movimentar de forma intensa e agressiva ao mesmo tempo que a mulher
lava a roupa com mais intensidade, batendo a roupa no tanque e respirando de
forma cada vez mais ofegante. O homem grune e realiza movimentos de agarrar e
que simulam sacudir alguém. A mulher, ao mesmo tempo que o homem começam a dar
espasmos com o corpo, de forma sincronizada. A mulher,
movimentando-se espasmodicamente caminha até o homem com a intenção de
confrontá-lo, mas ao se aproximar da teia, o homem a envolve e eles
movimentam-se juntos de forma agressiva de modo que os movimentos da mulher
sejam uma reação aos movimentos realizados pelo homem. A movimentação adquire
velocidade até que eles paralisam e a mulher começa a realizar movimentos muito
lentos e densos, especialmente envolvendo a cabeça (dando a entender que o
homem a agrediu na cabeça). O homem vira as costas e continua caminhando pela
“teia” como se nada estivesse acontecido (black out na área do homem), ao mesmo
tempo em que a mulher sai da teia caminhando devagar em direção ao tanque. Ao
chegar no tanque, pega o pano vermelho que estava mergulhado na água e leva-o à
cabeça, deixando a água escorrer sobre seu corpo.
Durante
toda a movimentação, retorna o som de cigarras, que se intensificam até ficarem
bem agudos no momento em que a mulher leva o pano à cabeça, depois vão
diminuindo até sumir.
SEQUÊNCIA
III
Após
a agressão, a mãe que ainda está em frente ao tanque, fala sozinha como se
estivesse escrevendo uma carta (esta fala da mãe é entrecortada pela mesma fala
gravada em off, com algumas palavras e frases sendo ditas repetidamente – não
esquecer, a cicatriz fica, amor, medo, divórcio, não esquecer, continuar
vivendo, proteger, filha):
MÃE
(Enquanto fala, segura o pano vermelho
na cabeça e vai tirando a venda do rosto): Eu guardei este pano, pra nunca
esquecer o que me aconteceu, pois os cortes saram, mas a cicatriz fica. Eu
guardei para não esquecer e ainda continuar vivendo. Eu tinha que ter alguma
coisa pra lembrar, porque quando a gente gosta de uma pessoa, a gente perde a
vergonha. Mas ali eu já não tinha mais amor, eu tinha medo. E é por isso eu guardei
esse pano, como lembrança pra não querer continuar com ele, a partir daquele
momento eu quis o divórcio.
Filha
chega e vai se aproximando aos poucos da mãe de forma assustada, pára próxima
da mãe e estende a mão para tocar no pano que está em sua cabeça. A mãe impede
a filha de tocar e responde:
MÃE: Não se preocupe,
é que a mamãe pintou o cabelo com tinta.
Filha
tenta tocar novamente na cabeça da mãe, mas ela impede e abaixa o braço da
filha ao mesmo tempo em que as duas vão para o chão.
Filha
pega um celular que estava no bolso e entrega para a mãe, as duas discam o
número da polícia. Enquanto elas ligam o homem sai da teia e caminha lentamente
em direção as duas com um ar ameaçador, quando a mãe desliga o telefone. Quando
a mãe desliga o telefone, vê-se a luz e o som de uma sirene e o homem volta para
trás se debatendo como se estivesse sendo arrastado e volta pra dentro da teia,
mas fica deitado no chão. (Black out na área do
homem)
A
filha deita no colo da mãe que tira o pano da cabeça e cobre a filha. Formando
uma imagem semelhante à escultura Lá Pietá.
MÃE
(volta a cantar):
O que anda pensando
O que anda fazendo
O que você quer me dizer
Vai dizer nada não importa
Eu só quero saber
O que se passa dentro de você
Silêncio ensurdecedor
Vergonha que não acrescenta em nada além
de dor
BLACK OUT
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