
UNIVERSIDADE
DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS
TRABALHO
FINAL DE TEORIA E PROCESSOS CRIATIVOS PARA CENA
NÚMERO 33
Vivian Silva 17/0026337
Beatriz Gasparotto 18/0013840
Naara Mello 18/0093840
Otávio A. R. Motter 16/0140293
Brasília -
DF
Novembro de
2018
APRESENTAÇÃO
O tema escolhido foi estupro
coletivo. No início queríamos retratar sobre violência doméstica, porém
decidimos ficar com estupro coletivo, porque além de ser um ato corriqueiro,
assim como os outros, é pouco visado. O caso número 33 retrata a violência que
uma adolescente sofreu, foi estuprada por 33 homens. O nosso trabalho aborda
justamente a culpabilização da vítima e como a cultura do estupro está presente
ao longo dos anos e nas diversas culturas.
Vivian - Cultura do estupro
Beatriz- Introdução, pesquisa
imagética, música e sonoplastia
Naara- Experiência como atriz e
personagem
Otávio- Roteiro e gravação
CULTURA
DO ESTUPRO
Vivian
Silva
VIOLÊNCIA CONTRA MULHER: A violência afeta
mulheres de todas as classes sociais, etnias e regiões brasileiras. Atualmente
a violência contra as mulheres é entendida não como um problema de ordem
privada ou individual, mas como um fenômeno estrutural, de responsabilidade da
sociedade como um todo. Apesar de os números relacionados à
violência contra as mulheres no Brasil serem alarmantes, muitos avanços
foram alcançados em termos de legislação, sendo a Lei Maria da Penha (Lei
11.340/2006) considerada pela ONU uma das três leis mais avançadas de
enfrentamento à violência contra as mulheres do mundo.

O sistema mudou, criou-se uma lei de
proteção às mulheres em relação a violência física ou psicológica, mas a
violência continua e ainda temos uma cultura impregnada que se chama “cultura
do estupro”, apesar de mudar o sistema, a cultura não muda.
CULTURA DO ESTUPRO: Cultura do estupro é um contexto no qual o estupro é pervasivo e normalizado
devido a atitudes sociais sobre gênero e sexualidade. Comportamentos comumente
associados com a cultura do estupro incluem a culpabilização da vítima,
a objetificação sexual da mulher, a crença em mitos do estupro,
trivialização do estupro, a negação de estupros, a recusa de reconhecer o dano
causado por algumas formas de violência sexual, ou a combinação entre esses
comportamentos. A noção de cultura do estupro foi usada para descrever e
explicar comportamento dentro de grupos sociais, incluindo estupros dentro de
prisões, e em áreas de conflito onde estupros de guerra eram usados como arma
psicológica. Sociedades inteiras foram acusadas de possuir uma cultura de
estupro.
As
escolhas das músicas foram bem fáceis, como eu já conhecia as músicas,
apresentei ao restante do grupo e todos gostaram, então decidimos unir todas.
No vídeo a música tocaria no fundo, seria acústica e soaria como uma “canção
tranquila” em meio à violência que estaria se passando no vídeo. Decidimos que
eu cantaria a música e o Otávio tocaria no violão. Optamos por músicas que
mostrassem uma crítica relacionada à violência e favela. A primeira escolhida foi “Baile de
favela - Mariana Nolasco” que é um cover “respondendo” a música original, que
literalmente retrata um estupro coletivo na favela. A resposta da Mariana é uma
crítica a essa situação. A segunda música foi “P.U.T.A - Mulamba” que retrata o
medo diário que a mulher sofre ao andar na rua e também fala sobre como as
minorias são atacadas e pouco faladas. A terceira foi “Triste, louca ou má -
Francisco, el hombre” que fala sobre como a mulher sempre é vista como louca e
como a culpa sempre está nela e nos seus atos e escolhas, refletindo sobre a mulher
empoderada. Todas as três retratam como a sociedade culpa a vítima.
Durante o processo, decidimos que
alguns sons iriam aparecer em determinadas cenas, porém mais baixos, para que a
música prevalecesse. Como, por exemplo, a primeira cena se passa num baile
funk, o funk fica tocando no fundo, assim como nas outras cenas, aparecem sons
de risada, conversas e rádio.
Como
optamos pelo meio audiovisual, fizemos diversas pesquisas sobre como poderíamos
gravar esses vídeos, assistimos um filme chamado “Mother!”, a parte a qual
usamos como referência é uma em que a mulher se encontra no centro da filmagem
enquanto apanha dos outros personagens sem falar nada.
Também
pegamos referência de um vídeo “#savesyriaschildren”, que também dá essa ideia
de que a pessoa está no centro enquanto toda a violência ocorre em volta dela.
Então decidimos que Beltrana ficaria ao centro da violência.
Durante
o processo decidimos que a filmagem seria feita através dos anos e em
diferentes culturas. Algumas cenas se passavam atualmente, enquanto outras
seriam em 1980, 2000… O que marcaria o fim/começo de uma nova época, seria o
figurino e efeitos no vídeo. No fim, o objetivo seria mostrar como independente
de local, cultura, idade ou época, a violência contra a mulher sempre existiu.
Os
lugares escolhidos para filmagem foram locais abandonados, prédios. Para
justamente dar a ideia de abandono da personagem através da sociedade.
PERSONAGEM - BELTRANA
Naara Mello
Beltrana tinha apenas dezesseis anos
passando por aquela situação que muitas mulheres passam todos os dias. Primeiro
teve o desenvolvimento de procurar uma história, li sobre vários relatos de
meninas jovens sendo abusadas sexualmente e isso me trouxe vontade de pensar de
como seria se eu passasse pela mesma situação. Beltrana era uma menina animada
que também queria conhecer festas, ter muitos amigos, experimentar drogas como
todo adolescente.
Mas se deixou levar confiando em todas as
pessoas que estavam do seu lado, ela apenas se sentia perdida por tudo o que
estava acontecendo com ela. Quando comecei a gravar os vídeos como modo de
experimentação, percebi a querer me colocar no lugar dela. De como é se sentir
tão vazia por se deixar levar por tantas drogas. Então comecei com esse
processo criativo no vídeo. Como seria
eu se fosse a Beltrana? O que ela estava sentindo? Será que estava tão drogada
para não conseguir reagir?
Sinto que a todo momento Beltrana
pedia socorro, não um pedido de ajuda qualquer, mas um pedido de muito
desespero. Ser carregada para vários lugares durantes dois dias de abusos sem
tomar banho, roupas sujas de sangue. A cada suspiro era uma forma de tentar
sair dali de tentar sobreviver.
Imaginar essa cena toda já me trazia
aflição de tudo o que ela havia passado durantes 48 horas. É muito difícil
vivenciar a vida dela e o que poderia acontecer com ela a qualquer momento. É
uma história muito humilhante onde cerca de 33 homens são manipulados para o abuso.
Beltrana
representa todas as mulheres que sofrem e já sofreram abusos como consequência
de uma sociedade herdada a séculos atrás. Os dois dias de abuso que Beltrana
sofreu foram provas vivas que os homens e a masculinidade tão “Forte” só mostra
o quanto somos cercados por homens machista e sem respeito pelas mulheres.
BELTRANA
Naara Mello
O que beltrana queria que tivesse
acontecido na festa? Como a família reagiu a isso tudo? Como isso afetou
futuramente o estado emocional?
Beltrana era acostumada com
noitadas, como era jovem sempre acreditava que talvez nunca iria acontecer
nada. Aquele acontecimento poderia acontecer com qualquer mulher, não pela
roupa, não pôr está no momento errado, mas pelo fato de ser Mulher.
Como era uma menina menor de idade e
estava cercada de amigos que “Confiava” nada ali poderia acontecer. Os pais
consequentemente não sabiam o que fazer ou o que estava acontecendo, apenas era
um choque de realidade que tinha sido ocorrido com a sua filha Beltrana. Isso é
uma forma de quantos somos fragilizadas de como somos expostas. Ela não fazia a
mínima ideia do que realmente tinha acontecido. Apenas jogada em um mato seco
levada para uma casa abandonada. Onde muitas vezes ali naquela casa poderia ter
acontecido vários estupros. Aquele lugar foi passado muita dor.
Beltrana depois de tudo o que havia
acontecido ficou com trauma de toque, carinho. Muitas vezes poderia não sentir
mais nada. Ficou no seu emocional atingindo sua forma de tratar as pessoas de
não querer mais andar sozinha, amizades que nunca mais ela confiaria,
relacionamentos que ela teria dificuldade. Isso tudo foi uma forma de como o
abuso sexual pode matar internamente qualquer mulher.
E os trinta homens o que acontecerá
com eles?
Eventualmente não aconteceu nada, não
foram expostos, não foram achados. Muitas vezes eles se safam ou apenas fogem
da vergonha que foi ali feita. Mas a dor ocorrida em Beltrana sempre irá ficar
marcado uma sequela em seu corpo.
Poema sobre Beltrana –
Perseguida, machucada, encurralada.
Meu choro ali não foi nada.
Meu grito, minha alma foi levada.
Foram trinta e três homens que eu me
sentia encurralada.
Aonde eu estou? Será que alguém
consegue me ouvir?
A cada olhar, a cada toque eu me
sentia humilhada.
Será que ainda vou voltar para casa?
A minha alma foi rasgada.
Eu peço SOCORRO!
Mas ninguém me ouvia
Foram quarenta e oito horas sendo
massacrada.
Meu corpo, minha voz ali já não
tinha nada.
Socorro! Socorro! Socorro!
Eu já estava morta por dentro
Meu sangue já havia escorrido.
Somos mulheres mortas todos os dias
Nossas raízes são mais profundas
Não vão calar a nossa voz, nosso
grito!
Somos gente!
Existimos
Resistimos!
ROTEIRO
Otavio
A.R. Motter
A princípio, assim que foi decidido
produzir o trabalho baseado somente no relato em questão, estávamos
demasiadamente afobados para iniciar logo a criação do roteiro. De início foi
determinado que trabalharíamos com o meio audiovisual por uma questão de afinidade,
mais ainda assim faltava decidir qual seria nosso objetivo com esta história.
Porque contá-la? As discussões nos levaram a optar por usar dessa história para
argumentar que a violência contra a mulher é sistemática e cultural. Ficou então decidido que usaríamos os 33
homens mencionados nas reportagens, e cada um seria um mecanismo, instituição
ou atitude conivente com a cultura do estupro.
Por exemplo; o delegado seria evidentemente um símbolo de como poder
executivo e judiciário agem diante da questão, e o sujeito que gravou e
fotografou seria a personificação das mídias e redes sociais, mostrando como
que o sensacionalismo de umas coisas e a normalização de outras contribui para
a situação. Queríamos ter também alguma figura religiosa no enredo para incluir
as instituições religiosas, porém, ao longo das semanas fomos nos deparando com
dificuldades em encontrar metáforas o suficiente para todos os personagens e em
como aplicá-las de forma sutil e poética. Surgiu então uma outra ideia para o
resgate. Concentrar o roteiro nos personagens cujos contrapartes no mundo real
possuem mais evidências e relatos nas matérias jornalísticas, e o usar variadas
eras para passar o nosso argumento. Como? A ideia era mostrar essa mesma
história, com essas mesmas pessoas, se repetindo sob diferentes sistemas de
governo, com diferentes leis, modas e tecnologias, deixando evidente que, se
isso se repete a tanto tempo, certamente é algo mais profundo e complexo do que
simplesmente: “são essas meninas de hoje
e as roupas delas”. Só essa ideia já tornou desnecessário o uso da fala
escrita. A partir disso, o escrever do roteiro fluiu naturalmente com auxílio
do quadro diagramático, ficando pronto em questão poucas horas. Na segunda
edição do roteiro, depois da análise do professor Marcus Mota, foi dado uma
maior atenção ao figurino e aos objetos para que os mesmos deixassem claro a
viagem através das décadas.
GRAVAÇÃO
Das 11 cenas escritas, conseguimos
gravar 3 em uma única noite, tirando proveito de uma festa no campus
universitário que ao mesmo tempo excluiu a necessidade de se encontrar
figurantes. Foram utilizadas duas filmadoras diferentes, uma do celular, mais
moderna, e outra de uma velha câmera, porque eu estava na dúvida de qual
ficaria melhor com a proposta. Então, durante a festa alternei entre as
filmadoras enquanto buscava cenas e ações interessantes e pertinentes ao
trabalho. Acabou que quando passei a editar o que tínhamos de material, gostei
das duas estéticas pois poderia usá-las ao mesmo tempo para deixar as
diferenças temporais ainda mais claras. A filmadora do celular, por ter uma
qualidade superior, seria usada em todas as cenas. Já a câmera velha,
alternando com as imagens do celular, seria usada apenas nas cenas situadas no
presente por ter uma imagem mais “analógica” que passa uma certa impressão de
se estar assistindo a cena através dos olhos de um stalker ou um voyeur. De um ponto de vista de diretor, foi um
trabalho fácil. Como não era necessário gravar sons ou falas, pude orientar as
atrizes enquanto gravávamos. A iluminação foi quase totalmente aproveitada a
partir do próprio ambiente, passando um tom quase documentarial ao nosso
trabalho; apenas nas últimas imagens gravadas que se tornou necessário o uso de
uma lanterna para conseguir capturar algo aproveitável. A própria edição do
vídeo também se tornou menos trabalhosa com a decisão de usar músicas no lugar
de texto, uma vez que não precisei perder tempo sincronizando som com áudio. Na
função de direção de fotografia ou talvez de gerente de localização, já
tínhamos até escolhidos onde e quando seria gravada nossa quarta cena. No caso
a ideia era utilizar a estrutura de uma casa abandonada que fica localizada
próxima à casa de uma das integrantes do grupo. Porém, no dia escolhido para
essas gravações, uma chuva forte nos incentivou a não testar a durabilidade do
local escolhido.
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