quinta-feira, 18 de outubro de 2018

4.48 PSICOSE de Sarah Kane



4.48 PSICOSE
de Sarah Kane














Tradução de Laerte Mello




 (Um silêncio muito longo.)

- Mas você tem amigos.

   (Um longo silêncio.)

   Você tem muitos amigos.
   O que é que você dá aos seus amigos que faz com que eles te apóiem tanto?

   (Um longo silêncio.)

   O que é que você dá aos seus amigos que faz com que eles te apóiem tanto?

   (Um longo silêncio.)

   O que é que você dá?

   (Silêncio.)

- - - - -


uma consciência consolidada reside num salão de banquete escurecido perto do teto de uma mente cujo chão se move como dez mil baratas quando um feixe de luz penetra como todos os pensamentos se unem num instante de harmonia corpo não mais repelente como as baratas contém uma verdade que ninguém nunca fala


     Tive uma noite em que tudo me foi revelado.
     Como eu posso falar de novo?


hermafrodita em pedaços que só confiou nelenela encontra a sala fervendo em realidade e implora nunca acordar do pesadelo


     e estavam todos lá
     cada um deles
     e eles sabiam meu nome
     enquanto eu escapava feito um besouro ao longo das costas de suas cadeiras


Lembre-se da luz e acredite na luz

Um instante de claridade antes da noite eterna


                    não me deixe esquecer


- - - - -


Eu estou triste

Eu sinto que o futuro é sem esperança e que as coisas não podem melhorar

Eu estou cheia e insatisfeita com tudo

Eu sou um completo fracasso como pessoa

Eu sou culpada, estou sendo punida

Eu gostaria de me matar

Eu costumo conseguir chorar mas agora estou além das lágrimas

Eu perdi o interesse em outras pessoas

Eu não consigo tomar decisões

Eu não consigo comer

Eu não consigo dormir

Eu  não consigo pensar

Eu não consigo ir além da minha solidão, do meu medo, do meu desgosto

Eu estou gorda

Eu não consigo escrever

Eu não consigo amar

Meu irmão está morrendo, meu amor está morrendo, estou matando os dois

Eu avanço em direção à minha morte

Eu estou aterrorizada com a medicação

Eu não consigo fazer amor

Eu não consigo foder

Eu não consigo ficar sozinha

Eu não consigo ficar com outras pessoas

Meus quadris estão muito grandes

Eu não gosto da minha genitália

Às 4.48
quando o desespero visita
eu deverei me enforcar
ao som da respiração de meu amante

Eu não quero morrer

Eu me tornei tão deprimida pelo fato da minha mortalidade que eu decidi cometer suicídio

Eu não quero viver

Eu tenho ciúmes de meu amor adormecido e cobiço sua inconsciência induzida

Quando ele acordar vai ter inveja da minha noite sem dormir de pensamentos e discursos sem atrativos por causa dos medicamentos

Resignei-me a morrer este ano

Alguns vão chamar isso de auto-compaixão
(eles têm sorte de não saber a verdade)
Alguns vão saber o simples fato da dor

Isso está se tornando minha normalidade


- - - - -


                100
                                                                                                             91
                                                           84
                                                                                                             81
                                           72
                                                                  69
                                                                                 58
                                             44
                                                                                 37                        38
                                   42
                                                          21                                                             28
                                                     12
                                                                                 7

                                                           - - - - -


Não foi por muito tempo, eu não estive lá muito tempo. Mas bebendo café amargo eu sinto aquele cheiro medicinal numa nuvem antiga de tabaco e algo me toca naquele lugar ainda soluçante e uma ferida de dois anos atrás se abre como um cadáver e uma vergonha há muito enterrada brande sua fétida e decadente mágoa.


Um quarto de faces sem expressão que encaram com indiferença a minha dor, tão desprovidas de significado que deve haver uma intenção diabólica.

Dr. Isso e Dr. Aquilo e Dr Oqueéisso que estava apenas de passagem e achou que poderia entrar para tirar um sarro também. Queimando num túnel quente de desalento, minha humilhação completa por eu tremer sem razão e por tropeçar nas palavras e por não ter nada a dizer sobre minha "doença" que de qualquer maneira é apenas saber que não há significado em coisa nenhuma porque eu vou morrer. E estou num beco sem saída levada por aquela voz suave e psiquiátrica da razão que me diz que há uma realidade objetiva na qual meu corpo e mente são uma coisa só. Mas não estou aqui nem nunca estive. Dr. Isso escreve e Dr. Aquilo tenta um murmúrio simpático. Me assistindo, me julgando, cheirando o fracasso paralisante que escorre da minha pele, meu desespero me rasgando e o pânico me consumindo me encharcando enquanto eu abro a boca de horror para o mundo e penso por que todos estão sorrindo e me olhando com um conhecimento secreto da minha dolorosa vergonha.

Vergonha vergonha vergonha.
Afogada na sua vergonha de merda.

Médicos misteriosos, médicos sensatos, médicos excêntricos, médicos que você pensaria que são uns porras de uns pacientes se não lhe mostrassem provas do contrário, fazem as mesmas perguntas, colocam palavras na minha boca, oferecem curas químicas para angústias congênitas e cobrem os rabos uns dos outros até eu querer gritar por você, a única médica que me tocou voluntariamente, que olhou nos meus olhos, que riu do meu humor mórbido falado numa voz vinda de dentro do meu túmulo recém-cavado, que tirou um sarro quando eu raspei minha cabeça, que mentiu e disse que era legal me ver. Que mentiu. E disse que era legal me ver. Eu confiei em você, eu amei você, e não é perder você que me machuca, mas sim sua falsidade fodida e descarada que se mascara em notas médicas.

Sua verdade, suas mentiras, não minhas.

E enquanto eu acreditava que você era diferente e que você talvez até sentisse a aflição que às vezes oscilava pela sua face e ameaçava irromper, você estava cobrindo seu rabo também. Como qualquer outra boceta mortal estúpida.

Na minha cabeça isso é traição. E minha cabeça é o tema desses fragmentos desorientados.

Nada pode extinguir meu ódio.

E nada pode restaurar minha fé.

Este não é um mundo em que eu deseje viver.


- - - - -


- Você fez algum plano?

- Tomar uma overdose, cortar meus pulsos depois me enforcar.

- Tudo isso de uma vez?

- Isso não poderia de jeito nenhum ser interpretado como um grito de socorro.

  (Silêncio.)

- Não daria certo.

- Claro que daria.

- Não daria. Você se sentiria sonolenta por causa da overdose e não teria forças para cortar os pulsos.

  (Silêncio.)

- Eu estaria em pé numa cadeira com uma corda enrolada no pescoço.

  (Silêncio.)

- Se você estivesse sozinha você acha que você faria mal a você mesma?

- Eu tenho medo que eu possa.

- Isso não seria uma defesa?

- Sim. É o medo que me mantém longe dos trilhos do trem. Só espero de Deus que a morte seja mesmo a porra do fim. Me sinto como se tivesse oitenta anos de idade. Estou cansada da vida e minha mente quer morrer.

- Isso é uma metáfora, não realidade.

- É um símile.

- Isso não é realidade.

- Não é uma metáfora, é um símile, mas ainda que fosse, a característica que define uma metáfora é que ela é real.

  (Um longo silêncio.)

- Você não tem oitenta anos de idade.

  (Silêncio.)

  Você tem?

  (Silêncio.)

  Você tem?

  (Silêncio.)

  Ou você tem?

  (Um longo silêncio.)

- Você despreza todas as pessoas infelizes ou só especificamente a mim?

- Eu não desprezo você. Você não tem culpa. Você está doente.

- Eu não acho.

- Não?

- Não. Estou deprimida. Depressão é ódio. É o que você fez, você que estava lá e que está se culpando.

- E quem você está culpando?

- A mim mesma.


                                                            - - - - -


Corpo e alma nunca podem se casar

Preciso me tornar quem já sou e bradarei contra esta incongruência que me destinou ao inferno

A esperança insolúvel não me mantém de pé

Eu me afogarei na disforia
            na lagoa negra e fria de mim mesma
            o fosso da minha mente imaterial

Como eu posso voltar à forma
agora que meu pensamento formal se foi?

Não é uma vida que eu possa aceitar.

Eles vão me amar por aquilo que me destrói
            a espada nos meus sonhos
            o pó dos meus pensamentos
            a doença que se reproduz nos cantos da minha mente

Todo elogio tira um pedaço da minha alma

Uma crítica expressionista
Nas cadeiras centrais entre dois bobos
Eles não sabem nada –
            Eu sempre saí livre

Última numa longa linha de cleptomaníacos literários
               (uma tradição honrada pelo tempo)

Roubo é o ato sagrado
No caminho distorcido para a expressão

Um excesso de pontos de exclamação escreve um iminente colapso nervoso
Uma única palavra numa página e lá está o teatro

Eu escrevo pelos mortos
          os não-nascidos

Depois das 4.48 eu não devo falar mais
Eu alcancei o fim desse conto sombrio e repugnante
de um sentimento internado numa carcaça alienígena e
inchado pelo espírito maligno da maioria moral

Eu estou morta há muito tempo

De volta às minhas raízes

                                   
            Eu canto sem esperança na fronteira


- - - - -


RSVP ASAP


- - - - -


Às vezes eu me viro e sinto o cheiro de você e eu não posso seguir eu não posso seguir foda-se sem expressar essa terrível tão fodidamente horrorosa física dolorosa fodida saudade que eu tenho de você. E eu não posso acreditar que posso sentir isso por você e você não sente nada. Você não sente nada?

(Silêncio.)

Você não sente nada?

(Silêncio.)

E eu saio às seis da manhã e começo minha procura por você. Se sonhei a mensagem de uma rua ou um bar ou uma estação eu vou lá. E espero por você.

(Silêncio.)

Você sabe, eu me sinto como se estivesse sendo manipulada mesmo.

(Silêncio.)

Eu nunca na minha vida tive problema em dar a outras pessoas o que elas querem. Mas ninguém jamais foi capaz de fazer isso por mim. Ninguém me toca, ninguém se aproxima de mim. Mas agora você me tocou em algum lugar tão fodidamente profundo que eu não consigo acreditar e eu não consigo ser assim para você. Porque eu não consigo te achar.                      

(Silêncio.)

Como ela é?
E como eu vou saber que é ela quando a vir?
Ela vai morrer, ela vai morrer, foda-se ela só vai morrer.

(Silêncio.)

Você acha que é possível uma pessoa nascer no corpo errado?
                                                                                     
(Silêncio.)

Você acha que é possível uma pessoa nascer na época errada?

(Silêncio.)

Vai se foder. Vai se foder. Vai se foder por me rejeitar nunca estando lá, vai se foder por me fazer sentir uma merda, vai se foder por me fazer sangrar amor e vida, que se foda meu pai por ter fodido minha vida para sempre e que se foda minha mãe por não tê-lo abandonado, mas acima de tudo, vai se foder Deus por ter me feito amar alguém que não existe,
VAI SE FODER VAI SE FODER VAI SE FODER.


                                                            - - - - -

- Ah querida, o que aconteceu com seu braço?

- Eu me cortei.

- Isso foi muito imaturo, procurar chamar a atenção desse jeito.
  Te aliviou de alguma forma?

- Não.

- Aliviou sua tensão?

- Não.
                                                 
- Te aliviou de alguma forma?

  (Silêncio.)

   Te aliviou de alguma forma?

- Não.

- Não entendo por que você fez isso.

- Então pergunte.

- Aliviou sua tensão?

  (Um longo silêncio.)

  Posso olhar?

- Não.

- Queria olhar, para ver se infeccionou.

- Não.

  (Silêncio.)

- Eu achei que você poderia fazer isso. Muita gente faz. Alivia a tensão.

- Você já fez?

- ...

- Não. São e sensato demais porra. Não sei onde você leu isso, mas não alivia a tensão.

  (Silêncio.)

  Por que você não me pergunta por quê?
  Por que eu cortei meu braço?

- Você quer me falar?

- Sim.

- Então fale.

- ME.
  PERGUNTE.
  POR QUÊ.

  (Um longo silêncio.)

- Por que você cortou seu braço?

- Porque me faz sentir bem pra caralho. Porque é bom pra caralho.

- Posso olhar?

- Você pode olhar. Mas não toque.

- (Olha) E você acha que não está doente?

- Não.

- Eu acho. A culpa não é sua. Mas você tem que assumir a responsabilidade pelos seus atos. Por favor não faça isso de novo.


- - - - -


Eu temo perder aquela que eu nunca toquei
o amor me mantém escrava numa jaula de lágrimas
Eu rôo minha língua com a qual nunca posso falar com ela
Eu sinto falta de uma mulher que nunca nasceu
Eu beijo uma mulher através dos anos que dizem que nunca devemos nos encontrar

            Tudo passa
            Tudo perece
            Tudo empalidece

           meu pensamento se vai com um sorriso assassino
           deixando uma ansiedade discordante
           que ruge na minha alma

Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança

Uma canção para minha amada, tocando sua ausência
            o fluxo do coração dela, o respingar do seu sorriso

Em dez anos ela ainda estará morta. Quando eu estiver vivendo com isso, lidando com isso,
quando alguns dias se passarem quando eu nem sequer pensar mais nisso, ela ainda estará morta.
Quando eu for uma velha senhora vivendo na rua esquecendo meu nome ela ainda estará morta, ela ainda estará morta, esta
porra
                                      está acabada  


e eu tenho que ficar sozinha

Meu amor, meu amor, por que me abandonaste?

Ela é o lugar de repouso onde nunca deitarei
e a vida não tem sentido na luz da minha perda

            Feita para ser sozinha
            para amar a ausência

            Me encontre
            me liberte
                        desta

                                     dúvida corrosiva
                                     desespero fútil

                                      horror em repouso

            Eu posso ocupar meu espaço
            ocupar meu tempo
            mas nada pode ocupar o vazio de meu coração

            A necessidade vital pela qual eu morreria

                                                                                    Esgotamento


- - - - -


- Nada de ses ou mases.

- Eu não disse se ou mas, eu disse não.

- Não-posso   devo   nunca   tenho-que   sempre   não-vou   devia   não-deverá.
  Os inegociáveis.
  Hoje não.

  (Silêncio.)

- Por favor. Não desligue minha mente na tentativa de me curar. Ouça e entenda, e quando sentir desprezo não o expresse, pelo menos não verbalmente, pelo menos não para mim.

  (Silêncio.)

- Eu não sinto desprezo.

- Não?

- Não. A culpa não é sua.

- A culpa não é sua, isso é tudo que eu sempre ouço, a culpa não é sua, é uma doença, a culpa não é sua, eu sei que a culpa não é minha. Você me disse isso com tanta freqüência que eu estou começando a pensar que a culpa é minha.

A culpa não é sua.

- EU SEI.

- Mas você permite.

  (Silêncio.)

  Permite?

- Não há uma droga sobre a terra que possa fazer a vida significar algo.

- Você permite esse estado de desesperado absurdo.

  (Silêncio.)

  Você permite.

  (Silêncio.)

- Eu não serei capaz de pensar. Eu não serei capaz de trabalhar.

- Nada vai interferir mais em seu trabalho do que o suicídio.

  (Silêncio.)

- Eu sonhei que tinha ido à médica e ela me deu oito minutos para viver. E eu tinha ficado sentada na porra da sala de espera por meia hora.

  (Um longo silêncio.)

Tudo bem, vamos lá, vamos às drogas, vamos para a lobotomia química, vamos desligar as funções mais altas do meu cérebro e talvez eu me torne um pouco mais fodidamente capaz de viver.

  Vamos lá.


- - - - -


abstração até o limite de


desagradável
inaceitável
desinspirador
impenetrável


irrelevante
irreverente
irreligioso
impenitente


desagradar
deslocar
desencarnar
desconstruir


Eu não imagino
       (claramente)
que uma única alma
            podia   
               poderia
                   deveria
                      ou deverá

e se eles fizessem
não acho
            (claramente)
que outra alma
uma alma como a minha
podia   
               poderia
                   deveria
                      ou deverá

sem levar em conta

Eu sei o que eu estou fazendo
      bem até demais

Nenhum falante de língua materna


irracional
irreduzível
irredimível
irreconhecível


descarrilada
desordenada
deformada
de forma livre


obscuro até o limite do


            Verdadeiro      Certo       Correto
            Qualquer um ou qualquer pessoa
            Cada       cada-um       todos


afogando num mar de lógica
                                    este monstruoso estado de paralisia



                                           ainda doente


- - - - -


Sintomas: Sem comer, sem dormir, sem falar, sem desejo sexual, em desespero, quer morrer.

Diagnóstico: Dor patológica.


Sertralina, 50 mg. Insônia piorada, forte ansiedade, anorexia, (perda de 17 kg,) aumento de intenção, planos e pensamentos suicidas. Interrompido após hospitalização.

Zopiclona, 7,5 mg. Dormiu. Interrompido após erupções na pele. Paciente tentou deixar o hospital à revelia do médico. Detida por três enfermeiros duas vezes maiores que ela. Paciente ameaçadora e não-cooperadora. Idéias paranóicas – acredita que os funcionários do hospital estão tentando envenená-la.

Melleril, 50 mg. Cooperadora.

Lofepramina, 70 mg, dobrada para 140 mg, depois 210 mg. Ganho de 12 kg. Perda de memória recente. Nenhuma outra reação.

Discussão com médico residente que ela acusou de traição depois do que ela raspou a cabeça e cortou os braços com uma lâmina de barbear.

Paciente liberada para o cuidado da comunidade com a chegada de paciente gravemente psicótico à sala de emergência com maior necessidade de um leito hospitalar.

Citalopram, 20 mg. Tremores pela manhã. Nenhuma outra reação.

Lofepramina e Citalopram interrompidos depois que paciente ficou puta devido aos efeitos colaterais e ausência de melhora evidente. Sintomas após a interrupção: Tonturas e confusão. Paciente ficou caindo, desmaiando e andando na frente de carros. Idéias alucinadas – acredita que o especialista é o anticristo.

Cloridrato de Fluoxetina, nome comercial Prozac, 20 mg, dobrada para 40 mg. Insônia, apetite irregular, (perda de 14 kg,) forte ansiedade, incapaz de atingir orgasmo, idéias homicidas em relação a vários médicos e fabricantes de drogas. Interrompido.

Humor: Fodidamente raivoso.
Comportamento: Muito raivoso.

Thorazine, 100mg. Dormiu. Mais calma.

Venlafaxina, 75 mg, dobrado para 150 mg, depois 225 mg. Tontura, baixa pressão sanguínea, dores de cabeça. Nenhuma outra reação. Interrompido.

Paciente recusou Seroxat. Hipocondria – menciona espasmos de piscar de olhos e forte perda de memória como evidência de dyskinesia tardia e demência tardia.

Recusou qualquer outro tratamento.


100 Aspirinas e uma garrafa de Cabernet Sauvignon búlgaro, 1986. Paciente acordou numa piscina de vômito e disse "Durma com um cachorro e levante cheio de moscas". Fortes dores estomacais. Nenhuma outra reação.


 - - - - -


Escotilha se abre
Luz total


                        a televisão fala
                        cheia de olhos
                        os espíritos da visão    

                                    e agora estou com tanto medo

                        Eu estou vendo coisas
                        Eu estou ouvindo coisas
                        Eu não sei quem sou


                                    língua para fora
                                                pensamento truncado


                                    os colapsos inconstantes da minha mente



Onde eu começo?
Onde eu paro?
Como eu começo?
(Já que eu quero ir em frente)

Como eu paro?
Como eu paro?
Como eu paro?
Como eu paro?
Como eu paro?                                     Uma etiqueta de dor
Como eu paro?                                     Apunhalando meus pulmões
Como eu paro?                                     Uma etiqueta de morte
Como eu paro?                                     Espremendo meu coração


                        Eu vou morrer
                                               ainda não
                                                              mas está lá


Por favor...
Dinheiro...
Esposa...                                             

Todo ato é um símbolo
cujo peso me esmaga

Uma linha pontilhada na garganta
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
                        CORTE AQUI



NÃO DEIXE ISSO ME MATAR
ISSO VAI ME MATAR E ME ESMAGAR E
            ME MANDAR PARA O INFERNO

Eu te imploro para me salvar dessa loucura que me come
            uma morte sub-intencional

Eu achei que nunca deveria falar de novo
mas agora sei que há algo mais negro que o desejo


                        talvez isso me salve
                        talvez isso me mate


um assobio melancólico que é o choro de coração partido ao redor da vasilha infernal no teto da minha mente


                        um cobertor de baratas


                                                                        pare essa guerra



                                                Minhas pernas estão vazias
                                                Nada a dizer
                                                E esse é o ritmo da loucura


- - - - -


- Eu asfixiei os judeus, eu matei os curdos, eu bombardeei os árabes, eu fodi criancinhas enquanto elas imploravam por misericórdia, os campos de extermínio são meus, todos deixaram a festa por minha causa, eu vou sugar os seus olhos de merda mandá-los numa caixa para sua mãe e quando eu morrer vou reencarnar como sua filha só que cinqüenta vezes pior e tão louca quanto tudo eu vou fazer da sua vida uma porra de um inferno EU ME RECUSO EU ME RECUSO EU ME RECUSO NÃO ME OLHE [TIRE SEUS OLHOS DE MIM]

- Está tudo bem.

- NÃO ME OLHE [TIRE SEUS OLHOS DE MIM]

- Está tudo bem. Eu estou aqui.

- Não me olhe [Tire seus olhos de mim]


- - - - -
Somos anátemas
os párias da razão

Por que é que estou ferida?
                   Eu tive visões de Deus

e isso deve se passar

Preparai-vos:
pois sereis partidos em pedaços
isso deve se passar

Contemplai a luz do desespero
o fulgor da angústia
e sereis levados à escuridão

Se houver explosão
            (haverá explosão)
os nomes dos que ofendem serão gritados dos telhados

Temam Deus
                    e sua convocação perversa

uma chaga sobre minha pele, um fervilhar no meu coração
um cobertor de baratas onde dançamos
esse infernal estado de sítio

Tudo isso deve se passar
todas as palavras do meu hálito nocivo

Lembre-se da luz e acredite na luz

Cristo está morto
                                    e os monges estão em êxtase

Somos os degradados
que destituímos nossos líderes
e queimamos oferendas para Baal

Venham agora, vamos pensar juntos
A sanidade é encontrada na montanha da casa do Senhor no horizonte da alma que recua eternamente
A cabeça está doente, a membrana do coração dilacerada
Pisem o chão onde caminha a sabedoria
Abracem mentiras lindas –
            a insanidade crônica do são


                                                                        as torções têm início


- - - - -


- Às 4.48
  quando a sanidade visita
  por uma hora e doze minutos eu fico com a mente no lugar.
  Quando isso tiver passado eu terei ido outra vez,
  uma marionete fragmentada, um bufão grotesco.
  Agora estou aqui eu consigo me ver
  mas quando estou encantada pelas miragens vis da felicidade,
  a magia repugnante dessa máquina de feitiçaria,
  eu não consigo tocar na essência do meu eu.

  Por que é que você acredita em mim naquela hora e agora não?

  Lembre-se da luz e acredite na luz.
  Nada importa agora.
  Pare de julgar pelas aparências e faça um julgamento correto.

- Está tudo bem. Você vai ficar melhor.

- A tua falta de fé não cura nada.

   Não me olhe.


                                                             - - - - - -


Escotilha se abre
Luz total


Uma mesa duas cadeiras sem janelas


Aqui estou eu
E lá está meu corpo


                                    dançando sobre vidro


Na hora do acidente onde não há acidentes


            Você não tem escolha
            a escolha vem depois


Corte minha língua
arranque meus cabelos
corte meus membros
mas me deixe meu amor
Eu preferia ter perdido minhas pernas
arrancado meus dentes
sugado meus olhos
do que ter perdido meu amor


brilha   pisca   corta   queima   torce   aperta   afaga   corta   brilha   pisca   soca   queima   flutua   pisca   afaga   pisca   soca   pisca   brilha   queima   afaga   aperta   torce   aperta   soca   pisca   flutua   queima   brilha   pisca   queima


                                    isso nunca vai passar


afaga   pisca   soca   corta   torce   corta   soca   corta   flutua   pisca   brilha   soca   torce   aperta   brilha   aperta   afaga   pisca   torce   queima   pisca   afaga   brilha   afaga   flutua   queima   aperta   queima   pisca   queima   brilha


                                    Nada é para sempre

                                                (fora o Nada)


corta   torce   soca   queima   pisca   afaga   flutua   afaga   pisca   queima   soca   queima   brilha   afaga   aperta   afaga   torce   pisca   flutua   corta   queima   corta   soca   corta   aperta   corta   flutua   corta   pisca   queima   afaga


                                    Vítima. Perpetrador. Espectador.


soca   queima   flutua   pisca   brilha   pisca   queima   corta   torce   aperta   afaga   corta   brilha   pisca   afaga   pisca   soca   pisca   brilha   queima   afaga   aperta   pisca   torce   aperta   soca   brilha   pisca   queima   pisca   brilha


                                    a manhã traz derrota


torce   corta   soca   corta   flutua   pisca   brilha   soca   torce   afaga   pisca   soca   corta   aperta   brilha   aperta   afaga   pisca   torce   queima   pisca   afaga   brilha   afaga   flutua   queima   aperta   queima   brilha   pisca   corta


                                    dor maravilhosa
                                                que diz que eu existo


pisca   soca   corta   afaga   torce   aperta   queima   corta   aperta   corta   soca   pisca   brilha   aperta   queima   corta   afaga   pisca   flutua   brilha   pisca   afaga   aperta   queima   corta   aperta   corta   soca   brilha   pisca   queima


                                    e uma vida mais sã amanhã


- - - - -


100
93
86
79
72
65
58
51
44
37
30
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A sanidade é encontrada no centro da convulsão, onde a loucura é arrasada pela alma dividida.

Eu me conheço.

Eu me vejo.

Minha vida é apanhada numa teia de razão
            tecida por um médico para aumentar a sanidade.


Às 4.48

                            eu deverei dormir.


Eu vim a você esperando ser curada.

Você é meu médico, meu salvador, meu juiz onipotente, meu padre, meu deus, o cirurgião da minha alma.

E eu sou sua seguidora na sanidade.


- - - - -


para atingir objetivos e ambições

para superar obstáculos e alcançar um alto padrão

para aumentar a auto-avaliação pelo sucesso no exercício do talento

para superar a oposição

para ter controle e influência sobre os outros

para me defender

para defender meu espaço psicológico

para justificar o ego

para receber atenção

para ser vista e ouvida

para excitar, surpreender, fascinar, chocar, intrigar, divertir, entreter ou seduzir os outros

para estar livre de restrições sociais

para resistir à coação e à constrição

para ser independente e agir conforme o desejo

para desafiar a convenção

para evitar a dor

para evitar a vergonha

para apagar humilhações passadas recapitulando ações

para manter o auto-respeito

para reprimir o medo

para superar a fraqueza

para pertencer

para ser aceita

para se aproximar e interagir agradavelmente com o próximo

para conversar de maneira amigável, para contar histórias, trocar sentimentos, idéias, segredos

para comunicar, para conversar

para rir e contar piadas

para conquistar a afeição do Outro desejado

para aderir e se manter fiel ao Outro

para gozar experiências sensuais com o Outro imaginado

para alimentar, ajudar, proteger, confortar, consolar, apoiar, cuidar ou curar

para ser alimentada, ajudada, protegida, confortada, consolada, apoiada, cuidada ou curada

para construir uma relação mutuamente agradável, durável, cooperativa e recíproca com o Outro, com um igual

para ser perdoada

para ser amada

para ser livre


 - - - - -






- Você viu o pior de mim.

- Sim.

- Eu não sei nada de você.

- Não.

- Mas eu gosto de você.

- Eu gosto de você.

   (Silêncio.)

- Você é minha última esperança.

   (Um longo silêncio.)

- Você não precisa de uma amiga você precisa de um médico.

   (Um longo silêncio.)

- Você está tão errada.

   (Um silêncio muito longo.)

- Mas você tem amigos.

   (Um longo silêncio.)

  Você tem muitos amigos.
  O que você dá aos seus amigos para que eles te apóiem tanto?

   (Um longo silêncio.)

  O que você dá aos seus amigos para que eles te apóiem tanto?

   (Um longo silêncio.)

  O que você dá?

   (Silêncio.)

  Nós temos um relacionamento profissional. Acho que temos um bom relacionamento. Mas é profissional.

   (Silêncio.)

   Eu sinto sua dor mas eu não posso manter sua vida em minhas mãos.

   (Silêncio.)

Você vai ficar bem. Você é forte. Eu sei que você vai ficar bem porque eu gosto de você e não se pode gostar de uma pessoa que não goste dela mesma. Temo pelas pessoas de que eu não gosto porque elas se odeiam tanto que também não deixam ninguém gostar delas. Mas eu gosto mesmo de você. Eu vou sentir sua falta. E sei que você vai ficar bem.

   (Silêncio.)

A maioria dos meus clientes quer me matar. Quando eu saio daqui no fim do dia eu preciso ir para casa para o meu amor e relaxar. Eu preciso ficar com meus amigos e relaxar. Eu preciso mesmo dos meus amigos para ficar realmente junto.

   (Silêncio.)

Eu odeio essa porra desse trabalho e eu preciso dos meus amigos para me manter são.

   (Silêncio.)

Me desculpe.

- Não é culpa minha.

- Me desculpe, isso foi um erro.

- Não é culpa minha.

- Não. Não é culpa sua. Me desculpe.

   (Silêncio.)

   Eu estava tentando explicar –

- Eu sei. Estou com raiva porque eu entendo, não porque eu não entendo.


- - - - -


            Engordada
                        Escorada
                                    Expulsa

            meu corpo descompensa
            meu corpo voa para longe

            não há como alcançar
            para além da tentativa de alcançar que eu já fiz

            você vai ter sempre um pedaço de mim
            porque você teve minha vida em suas mãos

            aquelas mãos brutas

            isso vai acabar comigo

            eu achei que era silêncio
            até se fazer silêncio

como você inspirou essa dor?
           
eu nunca entendi
o que é que eu não deveria sentir
como um pássaro voando num céu inchado
minha mente é rasgada por um relâmpago
quando ela voa fugindo do trovão


Escotilha se abre
Luz decidida
e Nada
Nada
vejo Nada


            Como eu sou?
                                                 a filha da negação

de uma câmara de tortura para outra
uma vil sucessão de erros sem perdão
cada passo do caminho eu caí

Desespero me impele ao suicídio
Angústia para a qual os médicos não podem encontrar cura
Nem querem entender
Eu espero que você nunca entenda
Porque eu gosto de você
           
Eu gosto de você
Eu gosto de você
           
imóvel água preta
tão profunda como o infinito
tão fria como o céu
tão imóvel quanto meu coração quando sua voz se foi
devo congelar no inferno
claro que eu te amo
você salvou minha vida


eu queria que você não tivesse
eu queria que você não tivesse
eu queria que você tivesse me deixado sozinha

um filme preto e branco de sim ou não sim ou não sim ou não sim ou não sim ou não sim ou não


        Eu sempre te amei
                        mesmo quando te odiei

        Como eu sou?
                                          exatamente como meu pai


ah não ah não ah não


Escotilha se abre
Luz decidida


                                                                                               a ruptura começa


          Eu não sei mais para onde olhar


          Cansada de procurar na multidão
            Telepatia
               e esperança

          Ver as estrelas
          prever o passado
               e mudar o mundo com um eclipse de prata

a única coisa que é permanente é a destruição
nós vamos todos desaparecer
tentando deixar uma marca mais permanente do que eu mesma


Eu não me matei antes então não procure precedentes
O que veio antes foi só o princípio


           um medo cíclico
           não é a lua é a terra
           Uma revolução


     Querido Deus, querido Deus, o que eu devo fazer?


           Tudo que eu sei
           é neve
                        e negro desespero


            Não sobrou nenhum lugar para me virar
                  um espasmo moral sem efeito
                  a única alternativa ao assassinato


Por favor não me corte para descobrir como morri
Eu te digo como morri

Cem de Lofepramina, quarenta e cinco de Zopiclona, vinte e cinco de Temazepam, e vinte de Melleril

Tudo que eu tinha

Engolida

Cortada

Enforcada

Está feito


            cuidado com o Eunuco
                   de pensamento castrado

            crânio
            sem ferimento


            a captura
              a loucura
                a ruptura
                  de uma alma


            uma sinfonia solo


            às 4.48
            a hora feliz
            quando a claridade visita


            escuridão quente
            que alaga meus olhos


            eu não conheço pecado


            essa é a doença de se tornar grande


            essa necessidade vital pela qual eu morreria


                                                            ser amada



eu estou morrendo por alguém que não se importa
eu estou morrendo por alguém que não sabe

                                                você está me quebrando

Fala
Fala
Fala

                                                um círculo de fracasso de dez metros
                                                não me olhe

Minha última declaração

                                                Ninguém fala

Me legitime
Me testemunhe
Me veja
Me ame

                                                minha submissão final
                                                minha derrota final

a galinha ainda dança
a galinha não vai parar

                                                eu penso que você pensa de mim
                                                do jeito que eu quis que você pensasse de mim

o parágrafo final
o ponto final final

                                               
cuide de sua mãe agora
                                                cuide de sua mãe

                                                Cai neve negra




                        na morte você me abraça

                                nunca livre






eu não tenho nenhum desejo da morte
nenhum suicida jamais teve




me veja esvanecer
me veja

                        esvanecer

me veja

me veja


                        veja






Sou eu mesma que eu nunca encontrei, cuja face está colada no lado inferior da minha mente








por favor abra as cortinas



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